SUPERVISÃO


Oscar Reymundo
AP, Membro da EBP e da AMP
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world in fragments XI
world in fragments XI -  reginaldo cardoso

A supervisão é uma prática que serve, no que concerne ao praticante da psicanálise, para dar-se conta de que maneira há outro e há sujeito, e de como isso dificulta a condução do tratamento (BRODSKY, 2004). 

Foi na terceira vez em que eu tratava aquele caso de toxicomania e alcoolismo na supervisão, quando me deparei, em uma espécie de clarão poucas vezes experimentado, com o fato de que a supervisão não é uma experiência isolada e desarticulada das outras duas pernas da formação de um analista. 

Eu podia me dar conta dos efeitos terapêuticos do trabalho com esse sujeito, embora eu não soubesse dizer ou formalizar o que eu estava fazendo como praticante da psicanálise. Foi por esse motivo que decidi supervisionar esse caso, quer dizer, de um lado eu queria saber o que estava acontecendo para que esses efeitos terapêuticos aparecessem e, de outro lado, eu já sabia que os efeitos terapêuticos, digamos positivos, não podem ser parâmetro para não trabalhar um caso na supervisão.

 A supervisora que eu escolhera pouco intervinha durante o trabalho de supervisão. Suas intervenções eram pontuações que, na maioria das vezes, faziam com que eu reparasse, com atenção, no relato que eu organizava sobre o caso que estava sendo apresentado.  Esta característica, nessa ocasião especifica, me permitiu escutar com clareza o que eu dissera ao falar sobre uma série de atos do paciente que estavam se repetindo. Nos últimos meses e depois de um longo período caracterizado pela retomada do trabalho profissional, pelo início de um namoro, pela retomada de laços de amizade, pela pacificação na relação com os pais, o rapaz começara a faltar em várias oportunidades às sessões da sua análise. Não telefonava para avisar que não viria, nem para marcar uma nova sessão. Depois de alguns dias eu telefonava, conseguia falar com ele, que muito agradecia meu telefonema, marcávamos uma nova sessão e ele comparecia. Até que, depois de um curto período, ele voltava a faltar, passavam dias sem ele se comunicar, eu telefonava, ele agradecia, marcava uma sessão, comparecia.... Foi relatando esta sequência de repetições que me escutei falando de algo que em mim mesmo se repetia: eu telefonava, uma e outra vez, insistindo em marcar meu interesse pelo que com ele acontecia.

O efeito disto que me escutei relatando foi a abertura do espaço para uma pergunta melhor definida acerca de minha posição no caso e, fundamentalmente, para a emergência de um real, isto é, de uma falha no saber, inerente ao ato, que tornava impossível toda e qualquer garantia sobre o mesmo. Foi, justamente, perante a perturbadora existência desse incontrolável, que a prática da supervisão adquiria uma nova dimensão que me remetia à mesma ética que fez com que eu decidisse, tempo antes, começar uma análise de orientação lacaniana. A questão da autorização, os impasses do praticante, o lugar de objeto pulsional na transferência, assim como a transferência escolhida para falar sobre a própria prática, se tornaram temas de minha análise.  

Com relação ao querer “saber dizer o que eu estava fazendo” foram se desenhando duas dimensões. De um lado, o saber extraído da própria análise sobre o fantasma, sobre a queda dos S1, sobre a redução do sintoma, saber que permitiu situar, não sem certo impacto perturbador, a própria singularidade do praticante feita ato. Em Una rara neutralidad lacaniana, MauricioTarrab diz que ao psicanalista nada o poupa do fato de que, independentemente de suas teorizações, seu ato não se regule pelo mais singular do próprio fantasma. Tarrab acrescenta, nesse trabalho, que Lacan deduziu que o fantasma de Karl Abraham era o de ser uma mãe nutrícia para seus pacientes. “Ser um pai que chegasse a tempo” era o que marcava, no meu caso, o sempre impuro desejo do analista.  Isto por um lado. 

De outro lado, a questão sobre o “saber dizer”, que me ocupava com relação à construção do caso clínico, consegui situá-la no campo do saber fazer da prática analítica uma experiência que possa ser transmitida, única via, esta, para seguir inventando, caso por caso, a psicanálise, levando em consideração as novas formas do sintoma, as novas subjetividades.  

Um pouco mais sobre o ato que se supervisiona

Uma análise tem de transformar o estatuto do sujeito como falta-em-ser. É fundamental tomar essa direção. Verdade é que uma análise tem de transformar o sintoma, mas tomando essa perspectiva não estamos na direção do ato, porque o ato supõe que uma análise transforme o estatuto de indeterminação do sujeito. Em outras palavras, é o sujeito barrado que deve ser transformado em uma análise, quer dizer, que a indeterminação própria da falta-em-ser é o que deve visar o fim de uma análise. Eu até ouso dizer que o fim da falta-em-ser é equivalente ao fim de uma análise. Dito de outro modo, podemos dizer que quando supervisionamos o que fazemos no dispositivo analítico do ponto de vista do ato estamos aludindo ao fim da análise. Na Proposição de 9 de outubro de 67 Lacan nos fala da destituição subjetiva, isto é, que a destituição subjetiva é o que ato analítico deve produzir no analisante. Podemos, então, nos perguntar, nesse sentido, se não haveria no ato analítico uma visada de um esforço de poesia. Visada que só depois poderíamos resgatar.  Digo isto pensando no esforço a ser feito para conseguir uma afirmação do ser que não se oriente pela via da identificação imaginária, nem simbólica, nem das identificações ao ideal, nem pelo "eu sou" da fantasia, nem pelas nomeações do Outro da saúde mental do tipo "eu sou um viciado", como nesse caso clínico. Seria o esforço de poesia que implica o "sou" via o sintoma que é a face oposta do sujeito barrado. 

No Seminário 11 Lacan diz que se termina com a falta-em-ser através do objeto a, que propicia uma resposta - "sou" -, mas que é de outra ordem. Para chegar a esse “sou” devem se pôr em jogo os objetos com os quais o sujeito imagina poder responder à pergunta "O que me quer?". Nesse deslocamento já não se trata de perguntas do tipo "o que isto significa?", "o que isto quer dizer?" senão "o que este analista quer de mim?", "por que ele me disse isso?". No caso clínico mencionado, depois de ter escutado o que eu estava fazendo, deixei de telefonar. Passados alguns dias de silêncio do analista, o rapaz telefonou se dizendo magoado por estar se sentindo abandonado pelo analista, assim como a mãe tinha abandonado o pai pelo fato dele ser um alcoólico. "Que bom que você telefonou! Vamos marcar a próxima sessão, então!" Não só as faltas às sessões pararam de acontecer quanto o rapaz parou de esperar que fosse o pai quem o procurasse e, então, tomou ele a iniciativa de localizar o pai e de encontrar-se com ele. Do outro lado, também parou esse furor sanandi do praticante da psicanálise sustentado na fantasia de ser um pai que chegasse a tempo.

Lacan demonstrou que é possível se separar da alienação porque esta não é uma condenação do sujeito.  Ele formalizou, então, um dispositivo no qual a falta-em-ser do analisante encontra do lado do analista não o Outro do significante, mas o desejo do analista, ou seja, a suposição de encontrar a falta do lado do analista. O encontro dessas duas faltas produz como efeito a emergência do objeto a. Isto nos remete às operações da alienação e da separação. Quer dizer, do lado da alienação temos a questão acerca do sentido do que acontece com o sujeito (o que significa isto que acontece comigo?), e tem como efeito a falta-em-ser e a perda do sentido. Do lado da separação teríamos a questão muito lacaniana acerca de como parar e estancar o efeito de falta-em-ser. Retomando, então, o que eu disse linhas acima, temos que, para responder à pergunta "o que o analista quer de mim?" se põem em jogo os objetos tomados dos orifícios do corpo. É desse modo que o sujeito monta a fantasia acerca do que o Outro quer dele, do que o Outro lhe pede ser. Essa é a dimensão do "sou" via o sintoma como a face oposta do sujeito barrado. Ao menos isto é o que Lacan nos legou antes de morrer. Talvez se ele tivesse continuado vivo mais alguns anos outra seria a história que hoje estaríamos contando. Por enquanto é isso.  


REFERÊNCIAS

BRODSKY, G. Short Story. Os princípios do ato analítico. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2004. 

LACAN, Jacques. Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista na Escola. In: _______. Novos Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, pp. 248-264.

_______. O Seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985.

TARRAB, Mauricio. Una rara neutralidad lacaniana. In: _______. En las huellas del síntoma. Buenos Aires: Gramma Ediciones, 2005.

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